“Apesar da seca e das cercas, o Cerrado ainda floresce”, esse é o lema das Festas da Troca de Sementes Crioulas organizadas nos municípios de Jangada e Nossa Senhora do Livramento pela Comissão Pastoral da Terra – CPT e parceiros. No entanto, na comunidade de Raizama, Jangada, que acolheu no último sábado a 13° Festa do Município, a degradação das nascentes e dos rios preocupa a população, cuja dúvida é: Por quanto tempo esse importante bioma ainda florescerá?
O objetivo das Festas é valorizar as culturas tradicionais e a soberania e segurança alimentar, muito bem representadas pelas sementes crioulas. É também um espaço de debate e conscientização sobre a importância do empoderamento das mulheres e juventude e a preservação do meio-ambiente, todas bandeiras da agroecologia. Nesse sentido, além de um delicioso almoço presenteado pela comunidade, a possibilidade de adquirir produtos agroecológicos e se encantar com danças e musicas tradicionais, as Festas da Troca de Sementes oferecem a oportunidade de participar de várias oficinas. No caso da 13° Festa de Jangada, depois de deixar as crianças na oficina de Ciranda Infantil, os visitantes puderam envolver-se com: Cuidados com a semente crioula – os saberes no cultivo da roça; Educação do campo e no campo; Troca de saberes e sabores do Cerrado; Agroecologia; Saúde e plantas medicinais; O impacto do uso de agrotóxicos na saúde da população; Direito à água, como estão as nascentes de nossa região?
Foi nesse contexto que, Neri Mialho, professor estadual e membro do Fundo Rotativo Semeando Saberes e Ações, coordenou a oficina sobre o Direito à água e expôs a preocupação crescente da população com relação às nascentes e rios do município de Jangada. “A situação da água é catastrófica, por causa do lixo e da utilização de agrotóxicos, já teve pessoas que morreram envenenadas. As nascentes precisam ser recuperadas e os rios protegidos”, disse o professor.
Francileia Paula de Castro, técnica da Fase*, representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, coordenou a oficina sobre o impacto do uso de agrotóxicos e apresentou números preocupantes sobre esses venenos. Entre 2000 e 2012, houve no Brasil um aumento de 288% da utilização de agrotóxicos**, alguns proibidos em outros países por serem considerados muito nocivos. Em 2013, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa informou que 64% dos alimentos estavam contaminados por agrotóxicos. No entanto, o número de notificações por intoxicação com esses venenos, entre 2007 a 2014, foi “apenas” de 34.147**.
Francileia explica que se esse número não corresponde à realidade, é porque os responsáveis, representantes de uma das maiores forças do país, o agronegócio, lucram com eles. Só em 2014, o faturamento da indústria de agrotóxicos foi de 12 bilhões de reais**. “Por causa disso, hospitais e órgãos se negam em denunciar esses impactos. Não esqueçamos que a maior parte dos agrotóxicos são utilizados nas monoculturas do agronegócio”, explicou.
Atualmente, o Brasil é o segundo maior produtor de alimentos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, mas desde de 2008, é o primeiro consumidor mundial de agrotóxicos. De acordo com especialistas, na safra de 2013/2014, foram utilizados mais de 1 bilhão de litros em agrotóxicos.
Simone da Guia Nunes, coordenadora do Grupo de Mulheres Raio do Sol, professora e liderança da Comunidade da Raizama, disse que as coisas mudaram bastante nos últimos 20 anos. Ela explicou que então os pequenos agricultores tinham começado a utilizar veneno, mas que, pouco a pouco, através de várias parcerias com organizações, como o Centro Burnier Fé e Justiça e a CPT, essa visão mudou. “Agora entendemos a importância da agroecologia”, disse. No entanto, Simone explicou que na comunidade de Raizama existem muitas fazendas e que a monocultura da soja está instalando-se. “Nossos rios foram envenenados e nós estamos sendo envenenados, por causa da utilização de agrotóxicos”, denunciou. Ela disse que a própria prefeitura costumava mandar borrifar veneno nas áreas ao lado da escola, do posto de saúde, e outros, mas tem esperança que o futuro prefeito tome medidas adequadas.
Ederzio de Jesus Mendes, conhecido como ‘Garrincha’, que foi eleito para assumir a prefeitura de Jangada em 2017, estava presente na Festa. Após ser chamado para se pronunciar sobre essas questões socioambientais, ele garantiu que seu governo trabalhará na reaproximação entre comunidades rurais e funcionários públicos, com foco na participação popular. ‘Garrincha’ explicou que uma de suas principais preocupações é a saúde pública, além de beneficiar o pequeno agricultor e a agroecologia, articulando a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural – Empaer, o sindicato rural e a secretaria de agricultura.
No decorrer da tarde, técnicos-educadores da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase, propuseram aos agricultores familiares que trouxeram milho, passar por um teste de transgenia. Francileia explicou que, assim como os agrotóxicos, os produtos transgênicos também se espalham e podem contaminar um cultivo orgânico vizinho, como é o caso do milho. Os voluntários receberam, com alivio e felicidade, certificados de ausência de agentes transgênicos nesse cultivo.
O evento terminou com a tradicional, animada e esperada troca de sementes e mudas crioulas. A próxima Festa de Sementes de Jangada será em setembro 2017, na Comunidade de Ribeirão, e a do município de Nossa Senhora de Livramento será em outubro 2017, na comunidade de São Manoel do Parí.
Fonte: Andrés Pasquis / Gias