“Ninguém se salva sozinho”. As palavras do Papa Francisco, evidenciadas pela pandemia que, no entanto, ainda não parecem ter encontrado uma aplicação prática, foram o pano de fundo do diálogo realizado na segunda-feria, dia 17 de janeiro, entre o Rabino chefe da comunidade judaica de Roma, Riccardo Di Segni, e o cardeal José Tolentino de Mendonça, bibliotecário da Santa Igreja Romana. O rabino e o cardeal reuniram-se no Museu Judaico, o coração do gueto de Roma, para um encontro por ocasião do Dia do Diálogo entre católicos e judeus, durante o qual reiteraram – entre outras coisas – seu incentivo à vacinação como um “dever religioso”, mais ainda que um dever ético e social.
O evento durou exatamente uma hora e foi transmitido via streaming. Marcado por interessantes pareceres e análises sobre o tema: “Os recursos espirituais e humanos do judaísmo e do cristianismo, à prova da pandemia”. O tema foi desenvolvido em uma ampla reflexão em duas partes: “Sobre quais traços das duas religiões ou de seu patrimônio comum podem ser concretamente uma chave de interpretação e um ponto de partida para a ação em um tempo incerto e suspenso”.
O rabino chefe Riccardo Di Segni também falou de consciência. Referindo-se ao tema das vacinas e das controvérsias e dúvidas que as acompanham, ele disse: “É melhor enfrentar um risco mínimo para se salvar do que um risco muito maior”. Lógica que era válida na época da vacinação de Jenner contra a varíola, assim como hoje: “A novidade das últimas décadas é a consciência de que a vacinação em massa produz a chamada imunidade do rebanho, quanto mais pessoas são vacinadas menos a doença se espalha e menos ela pode afetar aqueles que não podem ser vacinados por vários motivos. A vacinação não se torna o sistema para defender a mim mesmo, mas a sociedade”. A questão da solidariedade social e do compromisso para com os outros mudou de uma “questão leiga” para uma questão “ética” que “nos interroga profundamente como pessoas que confiam em uma fé”. “Se há uma garantia por parte da ciência neste sentido, é um dever religioso”, afirmou o Rabino.
Portanto o Rabino chefe de Roma, convida a uma mudança de perspectiva: “Todo evento negativo não deve passar despercebido. Não deve gerar apenas o lamento “oh, como me sinto mal”, mas provocar uma reflexão: “Em que ponto da minha existência eu estou? Somos chamados a nos questionar sobre o sentido da vida, o sentido do que estamos fazendo. Cada evento negativo deve ser uma campainha de alarme, um chamado para despertar”. Porque, como o Papa já disse várias vezes, pior do que a crise, há apenas o risco de desperdiçá-la. Di Segni, na mesma linha, nos exortou a não buscar o desejo de “voltar ao que éramos antes”, mas de voltar a ser “melhores”, dado que os dois anos de pandemia trouxeram à tona os piores lados da humanidade. Estes incluem, para o rabino, “a caça insensata aos responsáveis”, os “ungidores”, e a corrida para “dar a culpa em alguém a fim de aliviar tensões”. “Aproveita-se da crise para encontrar uma falsa solidariedade, uma solidariedade de ódio, estar juntos para odiar outra pessoa. É uma experiência monstruosa”.
O cardeal José Tolentino de Mendonça começou seu discurso com os “impressionantes números de mortalidade associados à Covid”: mais de 5,5 milhões, de acordo com a Universidade John Hopkins. É justamente diante deste sofrimento inesperado que “somos chamados a ativar e descobrir recursos espirituais e humanos” para o futuro: “Depois de cada catástrofe, surge uma revolução cultural… Deve emergir outra forma de ver o mundo. E a pandemia nos leva para um novo nível de história. Não podemos acreditar que podemos voltar ao mundo de ontem e que a situação será resolvida simplesmente por alguns ajustes no sistema”. Simone Weil, refletindo sobre a reconstrução material e espiritual da Europa do pós-guerra, já afirmava isso. “Para a filósofa, uma vitória militar não seria suficiente para um novo começo real, mas era necessário repensar globalmente sobre os fatos acontecidos. A derrota só se torna vitória se nos abre a uma nova base e a uma profunda mudança na civilização”.
Em termos concretos, significa “ampliar nosso horizonte de consciência” e compreender que a pandemia não é gerenciada apenas do ponto de vista da saúde, disse Tolentino. O diálogo inter-religioso é “uma necessidade urgente” neste sentido. O primeiro passo é “redescobrir” a confiabilidade de Deus e não reduzir Deus a “um psicoterapeuta” e a religião a “uma forma de bem-estar emocional”: “O Deus bíblico é um pai e uma mãe em quem se pode confiar”. A prova da pandemia é então “uma prova” para as próprias religiões. E uma prova difícil, considerando o declínio no número de fiéis, o empobrecimento da vida comunitária, a acentuação do individualismo e a propagação do medo em vez do fortalecimento da fé. O objetivo é nos redescobrir como “todos irmãos”, concluiu o cardeal: “Em um mundo fragmentado pela lógica dos blocos e interesses de partes, a crise nos ajuda a ver que não podemos nos salvar sozinhos. Devemos substituir a cultura da hostilidade por uma cultura de independência e fraternidade”.
Fonte: Salvatore Cernuzio / Vatican News