O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) obteve “status consultivo especial” no Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da Organizações das Nações Unidas (ONU). A entidade foi informada da decisão nesta semana. Para o arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, a concessão reconhece e qualifica a atuação do Cimi, além da incidência internacional em defesa dos projetos de vida dos povos indígenas. “Trata-se de uma arena estratégica para denúncias e para uma construção coletiva do conhecimento e dos interesses das comunidades indígenas de todo o mundo, com capacidade efetiva de influenciar ações e os acordos no campo dos direitos sociais e econômicos”, disse o arcebispo.
A obtenção do status ocorre após dois anos de análise de documentos e relatórios pelo Comitê de ONGs do ECOSOC. De acordo com o Cimi, ao conceder o status, o organismo internacional reconhece a competência especializada e a experiência prática da entidade na temática indígena, permitindo que ela contribua nos trabalhos das Nações Unidas.
“Ao ser considerada uma entidade consultiva e de competências técnicas, o Cimi poderá ser requerido pelo Conselho da ONU, suas comissões ou por um de seus Estados membros que buscam informações especializadas ou pareceres sobre assuntos e situações relacionadas aos povos indígenas no Brasil”, informou o Cimi, que é a 22ª organização brasileira a receber tal status.
O ECOSOC coordena as atividades nas áreas econômicas e sociais das agências especializadas das Nações Unidas, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), além de comissões técnicas e regionais. Como principal fórum de deliberação sobre questões econômicas e sociais, o ECOSOC elabora recomendações práticas sobre essas questões dirigidas aos 193 Estados membros e à ONU. No Conselho, são 54 Estados membros, entre eles o Brasil.
Como uma entidade consultiva do conselho, o Cimi poderá participar das agendas do ECOSOC e apresentar declarações escritas ou orais relativas à questão indígena aos órgãos subsidiários.
O status consultivo permitirá, ainda, ao Cimi credenciar-se como observador nas sessões do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC), podendo apresentar moções por escrito e intervenções orais. Principal órgão intergovernamental responsável por promover o respeito universal e a proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, o Conselho é composto por 47 Estados membros.
Para dom Roque, os mecanismos e sistemas multilaterais de proteção e garantia de direitos são uma ferramenta importante para as populações originárias no Brasil, que sofrem perseguições por não adaptarem-se ao modelo econômico adotado pelo país. “Para o governo e seu projeto desenvolvimentista, os povos indígenas se mostram como entraves. E assim o são, porque eles não podem aceitar um desenvolvimento que extermine suas vidas, explore seus territórios, acabe com seus modos e costumes, num genocídio que precisa ser qualificado perante as leis internacionais das quais o Brasil é signatário”, explica.
“Não nos omitiremos em denunciar a incapacidade do Estado brasileiro em cumprir suas próprias leis, sua conivência com setores do agronegócio que assassinam e promovem o deslocamento forçado de populações indígenas através de milícias armadas e crimes atrozes”, salienta, dom Roque.
De acordo com o Cimi, várias instâncias da ONU, em especial dentro da estrutura do ECOSOC, têm realizado estudo, articulações e recomendações relacionadas aos povos indígenas.
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), uma das cinco comissões regionais da ONU, produziu um estudo sobre a situação dos povos indígenas na América Latina, aprofundando os avanços na última década e desafios pendentes para a garantia de seus direitos. Na ocasião, denunciou o que chamou de “invisibilidade” estatística dos povos indígenas, que dificultam a construção de políticas públicas eficazes e pautadas pelo direito de consulta, livre, prévia e informada.
No âmbito do Conselho de Direitos Humanos, que analisa violações e promove Revisões Periódicas Universais (UBR) no cumprimento e defesa desses direitos, o Cimi destaca a denúncia do Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos e supervisor do UNHRC, Zeid ibn Ra’ad, em relação ao assassinato do indígena Guarani Kaiowá Simeão Vilhalva, no ano passado. Em 2017, o Brasil será um dos países avaliados nas UBR.
Também no UNHRC há os mecanismos de peritos e relatoria especial que estão ligados à questão indígena. “O Mecanismo de Peritos é formado por cinco peritos e seu objetivo é fornecer recomendações sobre direitos dos povos indígenas ao UNHRC, sob a forma de estudos e pesquisas”, explica o Cimi. Recentemente, a brasileira Erika Yamada, foi nomeada perita para o mandato de 3 anos (2016-2019).
A Relatoria especial sobre direitos dos povos indígenas da ONU tem por objetivo monitorar situações de violação e cumprimento de direitos humanos dos povos indígenas no mundo, reportando recomendações aos Estados membros e a todo sistema ONU, em especial ao UNHRC. O Brasil recebeu visita oficial da titular do organismo em março deste ano.
Por último, há o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas (UNPFII), que reúne indígenas de todo o planeta, sendo considerado o maior espaço de protagonismo dos povos indígenas dentro do Sistema ONU. Em sua última edição, mais de mil indígenas discutiram questões de interesse das populações originárias relacionadas ao desenvolvimento econômico, social, cultural, meio ambiente, educação, saúde e direitos humanos. Com o tema “Povos Indígenas: Conflitos, Paz e Resolução”, o UNPFII coletou em 2016 situações de conflitos envolvendo povos indígenas e seu informe pode ser acessado aqui, inclusive as recomendações ao Brasil.
E acordo com o Cimi, lideranças do movimento indígena brasileiro têm se apropriado do Fórum, nos últimos anos, consolidado alianças com povos de outros países e denunciado as situações de violência no Brasil, como na última edição em que o indígena Guarani Kaiowá Elizeu Lopes, de Mato Grosso do Sul, denunciou o genocídio no Estado. Na ocasião, também o Cimi pôde apresentar dados nacionais sobre as violências praticadas contra os povos indígenas.