26/06/2020 Manifestação pela retirada do Projeto de Lei Complementar No 17/2020/AL-MT

“A ganância pela terra está na raiz dos conflitos que levam ao etnocídio, ao assassinato e à criminalização dos movimentos sociais e de suas lideranças. Demarcar e proteger a terra é obrigação dos Estados nacionais e de seus respectivos governos. (…) Desta forma, a Igreja se compromete a ser aliada dos povos amazônicos para denunciar os ataques contra a vida das comunidades indígenas, os projetos que afetam o meio ambiente, a falta de demarcação de seus territórios, bem como o modelo econômico de desenvolvimento predatório e ecocida. A presença da Igreja entre as comunidades indígenas e tradicionais exige a consciência de que a defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida.” (Documento Final do Sínodo para a Amazônia, 45/46)

À Sua Excelência
Sr. MAURO MENDES FERREIRA
Governador do Estado de Mato Grosso Palácio Paiaguás
Cuiabá-MT

Cuiabá, 25 de junho de 2020.

Manifestação pela retirada do Projeto de Lei Complementar No 17/2020/AL-MT

Prezado Governador,
Nós, Bispos do Regional Oeste 2 da CNBB – Mato Grosso, temos acompanhado com preocupação a tramitação, na Assembleia Legislativa, do Projeto de Lei Complementar de número 17 (PLC 17/2020), enviado pelo vosso governo e que trata da autorização do Cadastro Rural de terras no estado.
Em sintonia com a reivindicação dos povos indígenas, organizações da sociedade civil, estudiosos da temática, bem como de pastorais e organismos de nossa Igreja, entendemos que o referido PLC extrapola as atribuições do Estado de Mato Grosso, ao passo que tem a potencialidade de inflamar os já tensos conflitos que afetam os povos indígenas.
Entendemos que se apresentam riscos iminentes de sobreposição de propriedades privadas sobre terras indígenas, bens resguardados pelo Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que são de usufruto exclusivo e inalienáveis destes povos.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Petição No 3.388/RR, sobre a TI Raposa Serra do Sol (Roraima), já expressou o entendimento da Corte sobre o que se configura direito originário dos povos indígenas sobre seus territórios. Afirma a decisão que:

“Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, foram constitucionalmente ‘reconhecidos’, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de ‘originários’, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como ‘nulos e extintos’ (§ 6º do art. 231 da CF)”.

O Relatório “Violência contra os Povos Indígenas do Brasil” dados 2018, elaborado por um de nossos organismos, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), indica que pelo menos 52 terras reivindicadas pelos povos indígenas de Mato Grosso apresentam pendências para a finalização do processo demarcatório. Sabemos que muitos destes povos terão suas vidas duramente afetadas, caso este direito constitucional não seja atendido.

Para que as tensões já efetivas em nosso estado de Mato Grosso não sigam vitimando e pondo sob riscos os povos indígenas e para que possamos caminhar rumo à justiça que gera a paz (Is 32,17), solicitamos que V. Excia. retire a proposta enviada à Assembleia Legislativa configurada no PLC 17/2020.

Na oportunidade, externamos nossa consideração e desejo de saúde.

Dom Canísio Klaus
Presidente do Regional Oeste 2 da CNBB