No último dia 8 de setembro, o Papa Francisco publicou um documento intitulado Mitis iudex Dominus Iesus (o Senhor Jesus juiz humilde), tratando das causas de nulidade de matrimônio. O Papa responde, assim, às sugestões apresentadas durante o Sínodo extraordinário sobre a família, em 2014. Trata-se de reforma dos procedimentos necessários para quem, por diferentes motivos, busca obter através da autoridade competente uma declaração de nulidade matrimonial.
Vale recordar que não se trata de anulação de matrimônio, mas de reconhecer que o sacramento celebrado não foi válido. Sem alterar os princípios sobre a validade ou nulidade de um matrimônio, o Papa mudou vigorosamente os processos para verificá-la, ordenando que sejam gratuitos e rápidos, com participação direta e definitiva do bispo diocesano nos casos notórios de nulidade.
Continuam inalteradas as tradicionais motivações para solicitar uma tal declaração de nulidade: o consentimento dado através de ato violento, a esterilidade ou impotência não declarada antes de assumir o vínculo, a brevidade do convívio conjugal, a prática de aborto como meio para impedir a procriação, a obstinada convivência extraconjugal durante o noivado ou no tempo após a celebração do sacramento do matrimônio, a não observância consciente dos critérios da fé cristã quando da celebração do matrimônio. Se para alguns a nova disciplina parece uma facilitação do processo, na realidade ela pressupõe a reta consciência de quem inaugura o processo. Com esse documento, o Papa deseja agilizar os possíveis processos que vierem a se constituir, tendo em vista a solicitação de declaração de nulidade do sacramento. Assim, aqueles que realizaram núpcias em âmbito religioso e que desejam ter reconhecida a nulidade do vínculo, encontram meios para maior agilidade do processo e menor custo, caso o juiz eclesiástico reconheça as condições pressupostas para a solicitação de tal declaração de nulidade.
As novas disposições da Igreja mantêm o princípio da indissolubilidade do matrimônio. O que se deseja é promover uma maior rapidez nos processos. Isso é possível, por exemplo, quando a proposta “for feita por ambos os cônjuges ou por um deles, com o consentimento do outro; quando ocorram circunstâncias de fatos e pessoas, apoiadas em testemunhos ou documentos, que não exijam uma indagação ou uma instrução mais detalhada, e torne manifesta a nulidade” (Can. 1683, § 1 e 2). Assim, a autoridade competente deverá se empenhar em verificar se um matrimônio é nulo e, depois, em caso positivo, declarar a nulidade.
O próprio bispo – única autoridade judiciária dentro de sua diocese -, ou um delegado seu, poderá declarar a nulidade de um matrimônio. Isso representa um avanço no sentido de que os próprios bispos são chamados a exercitarem diretamente o Poder Judiciário: são pais, mestres e juízes. Desse modo, se espera que o tempo de um processo dure poucos meses.
As novas normas entrarão em vigor no dia 8 de dezembro de 2015. Trata-se certamente de uma reforma consistente. O título mesmo do documento expressa o que se deseja: clemência no juízo. Isso aparece expresso pelo Papa no documento, na introdução às novas normas, quando afirma que “o enorme número de fiéis que, mesmo desejando prover a própria consciência, frequentemente são dissuadidos pelas estruturas jurídicas da Igreja devido à distância física ou moral; a caridade, pois, e a misericórdia exigem que a Igreja como mãe se faça próxima de seus filhos que se consideram separados”.
Assim, a Igreja está sendo desafiada a realizar ainda com maior determinação uma “conversão da pastoral familiar”. Pois o Senhor é verdadeiramente “humilde juiz”; mas é também mestre paciente, companheiro na dor e no sofrimento, profeta de uma nova vida.
Dom Jaime Spengler.
Arcebispo de Porto Alegre